O Monitoramento de Ambientes Digitais talvez seja uma das poucas atividades dentro deste universo que não possui uma regulação específica nem esbarra diretamente em legislação consolidada — inclusive na própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, nº 13.709/2018). A LGPD trouxe um novo paradigma para o tratamento de dados pessoais no Brasil, estabelecendo princípios rigorosos para coleta, processamento e uso de informações, com o objetivo de proteger a privacidade e os direitos fundamentais dos indivíduos.
Apesar disso, a lei permite o tratamento de dados manifestamente públicos, mas a interpretação sobre o que efetivamente é “público” ainda gera debates. Esse vácuo jurídico foi utilizado como um dos principais argumentos para que ferramentas de monitoramento disponíveis no mercado mudassem o seu escopo: em vez de oferecer a captura bruta e contínua de conteúdos, passaram a entregar apenas dados consolidados e links para publicações de maior engajamento. Na prática, o que também ocorreu foi uma sobrecarga na demanda de coleta e armazenamento, que inviabilizou a escalabilidade desse tipo de serviço.
No entanto, há princípios que devem nortear o monitoramento de ambientes digitais, independentemente das brechas legais: ética, compromisso com o cliente e políticas claras de armazenamento e uso dos dados.
Ética
Ao mesmo tempo em que cresceu o discurso de evitar a captura de todos os dados em respeito à LGPD, também aumentou a exigência por metodologias robustas que comprovem o que está sendo monitorado, como está sendo monitorado, qual é o alcance da coleta e, principalmente, quais são as principais limitações e possíveis perdas de informação que podem afetar a interpretação final da opinião pública.
Compromisso com o cliente
Com a adoção de modelos baseados em amostragens, tornou-se cada vez mais comum que clientes exijam cópias dos dados utilizados. Além disso, algumas empresas contratam auditorias independentes para verificar se os relatórios são fiéis aos dados coletados e à metodologia proposta.
A LGPD como parâmetro
Por que a LGPD não é aplicada diretamente ao monitoramento? O pilar central da LGPD é o consentimento. Para que dados pessoais sejam tratados, é necessário que o titular autorize de forma explícita e inequívoca. Isso representa um desafio significativo no contexto do monitoramento, que lida com grandes volumes de dados provenientes de redes sociais e outros espaços digitais.
Na prática, empresas, agências e profissionais que trabalham com monitoramento partem do princípio de que existe um propósito legítimo e específico, coletando apenas os dados estritamente necessários para essa finalidade. O objetivo central do monitoramento não é identificar indivíduos de forma isolada, mas compreender padrões de opinião, comportamento ou percepção vinculados a grupos sociais.
Um exemplo prático
Em um projeto para entender o consumo de suco de laranja, o monitoramento identificou menções, marcas em destaque e influenciadores. No entanto, os grupos de discussão não ficaram claros apenas pelas interações. Foi a análise de fotos de perfil e nomes associados às contas que permitiu agrupar “hubs” de debates sobre o produto.
Essa estratégia gerou discussões éticas e jurídicas: estaria violando princípios de anonimização ou pseudonimização previstos na LGPD? Após consulta jurídica, a orientação foi:
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Não utilizar prints de publicações nos relatórios;
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Consolidar os dados em análises quantitativas e qualitativas;
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Compartilhar a base bruta com o cliente, mas sem especificar atributos individuais como sexo, raça ou qualquer característica pessoal sensível;
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Restringir a categorização a níveis gerais, como sentimento Positivo, Negativo ou Neutro.
Dessa forma, atualmente, não existe legislação específica sobre os usos e reusos de dados de ambientes digitais para fins de monitoramento. Entretanto, é indispensável que profissionais da área busquem constantemente adequar seus processos de coleta e tratamento, aplicando princípios como privacidade desde a concepção (privacy by design) e responsabilidade (accountability). Essa postura é ainda mais necessária quando o serviço inclui análise etnográfica, em que o risco de exposição de informações pessoais e contextuais é maior.



